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sábado, 3 de setembro de 2011

O desertor

"A Federação Portuguesa de Futebol não é um quartel. Felizmente. É por isso que o rancho dos jogadores da Selecção Nacional é melhorado, que as casernas têm vista para o mar, a alvorada é tão tardia e a formatura só acontece nos dias de jogos para ouvir e cantar (aqueles que sabem a letra) A Portuguesa.

Se a Federação fosse um quartel, o dr. Madaíl teria de aparecer mais vezes na parada. Ao menos, para receber e retribuir continência, antes de se fazer recolher ao escritório para a contagem de espingardas para as próximas eleições nacionais.

Não sendo a FPF um quartel, apesar do batalhão de gente que carrega, nunca o futebol, de todo, deverá ser uma guerra. É verdade que há muitas minas e armadilhas, golos feitos de tiros à queima roupa, petardos e bombas, conquistas e glórias nacionais e isso, julgo eu, vai confundido muita gente, desde a que de futebol muito fala e nada entende, até, mesmo, a gente que vive no meio e que de tão rodeada de árvores, nem se apercebe da floresta.

Estou em crer que foi o que sucedeu a Paulo Bento, quando não encontrou melhor forma de classificar o acto - reprovável, é certo - de Ricardo Carvalho, considerando-o um desertor.

Bento sempre poderá dizer que as suas palavras levavam aspas, ou películas, como se vai por aí ouvindo dizer no nacional facilitismo, e que não deviam ser entendidas à letra. Não se sabe o que verdadeiramente ia na cabeça do homem que dirige, tecnicamente, a Selecção Nacional de futebol, mas não me custa admitir que tenha assumido, à sua maneira directa e frontal, a natureza de uma relação entre o tempo de guerra do país e o tempo de um jogo de futebol importante para o país. E, se assim foi, há que dizê-lo com toda a naturalidade, Paulo Bento foi excessivo. Além de cruel.

Até porque nos parece muito difícil de entender que Ricardo Carvalho tenha, assim, ensandecido sem aviso prévio. É muito provável que o homem, no crepúsculo da sua vida profissional, tivesse precisado de alguém com mais sensibilidade do que Paulo Bento, com tempo e paciência para lhe ouvir tristezas e amarguras. Nestas ocasiões, é certo e sabido que nem sempre o treinador, que tem de decidir -como dizia o Carlos Pinhão - com um coração cheio de pêlos, é a melhor criatura para percrustar os insondáveis e complexos segredos da alma que se sentem injustiçados.

O comportamento de Ricardo Carvalho não merece desculpa à luz da rigidez de uma disciplina de caserna, a mesma que atribui a um acto de criticável irresponsabilidade a qualificação de deserção. Não me parece menos excessivo do que o próprio acto do prevaricador e é bom que as pessoas, estejam no futebol ou na ONU, se habituem à importância que deve ser dada à porporcionalidade.

O comportamento de Ricardo Carvalho foi, concerteza, inaceitável e merece óbvia punição, mas com todo o respeito que tenho por Paulo Bento, a verdade é que não compete as seleccionador nacional, nem a acusação, nem a sentença. Se a Federação Portuguesa de Futebol não fosse o que, de facto, é, ou não fosse aquilo em que se transformou - uma corporação indigente - já teria, como devia, tomado em mãos as rédeas do cavalo que só o seleccionar fez questão de montar.

É preciso saber mais. Os actos e as consequências são do domínio público, mas não se conhecem as causas. Será pedir de mais que se abra um inquérito, se oiçam quem se deve ouvir e se chegue a conclusões? Admito que sim. Em Portugal, é pedir de mais."


Vítor Serpa, in A Bola

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