Últimas indefectivações

sábado, 1 de janeiro de 2011

Exercícios de memória

"No Verão passado Ricardo Quaresma foi recebido em delírio em Istambul pelos adeptos do Besiktas. Outros três portugueses estão na calha para serem recebidos em delírio em Istambul no Ano Novo: Manuel Fernandes, Simão Sabrosa e Hugo Almeida que se vão juntar a Ricardo Quaresma no tal Besiktas.
Quaresma, Fernandes, Sabrosa e Almeida não são propriamente estrelas de primeira grandeza no firmamento do futebol mundial. E nenhum deles vai para novo, o que também ajuda a baixar o volume dos respectivos negócios. De qualquer forma, o Besiktas investiu alguns bons milhões de euros nesta fornada portuguesa de alta qualidade e, assim sendo, não é de crer que sejam jogadores que tenham de provar a sua utilidade. Ou seja, pelos valores que custaram, não vão para Istambul à experiência, a ver no que aquilo dá. São jogadores para jogar imediatamente.
O que transforma o Besiktas num emblema a seguir com atenção. Porque não há muitos clubes portugueses que tenham quatro jogadores portugueses na condição de titulares indiscutíveis.
Assim, pelas mesmas razões que o FC Porto desperta a curiosidade dos adeptos colombianos e o Benfica tem já uma legião de seguidores na Argentina, o Besiktas começa a merecer o nosso carinho e a nossa preocupação.
É que já nem há memória de um clube com tantos portugueses a jogar à bola...
Fábio Coentrão faz parte do onze do ano do jornal L'Equipe. Os benfiquistas só podem ter ficado encantados com a distinção que coloca o seu lateral-esquerdo ao lado de superstars como Messi, Casillas, Lúcio, Scheinsteiger, Iniesta e Sneijder, entre outros da mesma dimensão supersónica.
E se os mesmos benfiquistas se derem ao trabalho de um pequeno exercício de memória, lembrar-se-ão certamente da indiferença, para não mencionar a desconfiança e o desdém, com que, no Verão de 2009, receberam, a notícia de que Fábio Coentrão, depois de meia época em Saragoça e de outra época invisível em Vila do Conde, ia regressar ao Benfica com grande vontade de se afirmar.
Foi uma risota, não foi?
E, depois, foi o que se viu. E viu-se tanto, que até os tipos do L'Equipe viram também...
Portanto, seria excelente política entre os benfiquistas dar um bocadinho de tempo e de paciência àqueles jovens jogadores que o Benfica contratou no Verão passado, como Jara e Gaitán, e mesmo a Kardec, que já por cá está há mais tempo e que teve a infelicidade de substituir Cardozo no período mais infeliz do futebol dos campeões nacionais.
Tenham lá calma.
José Couceiro vai assumir a direcção do futebol do Sporting, é um facto. Este ano o Sporting não tem sido, outra vez, muito feliz e até tem sido um bocadinho mais infeliz do que o Benfica, a nível interno, visto que na Europa a equipa de Paulo Sérgio já cumpriu um percurso inicial sem grandes sobressaltos, o que tem o seu valor.
Couceiro, como toda a gente se lembra, já cumpriu o mesmo papel no Sporting em 1998. E não foi especialmente feliz, o que em nada o diferencia de todos os directores desportivos que passaram por Alvalade depois dele.
É natural que os sportinguistas estejam em época de não se entusiasmar com nada nem com ninguém. É assim quando há míngua de sucessos.
E também é compreensível, entre os sportinguistas, que haja quem justifique o regresso de Couceiro a Alvalade muitíssimo mais pelos três meses, no ano de 2005, em que foi treinador do FC Porto, um clube de referência para a actual gerência de Alvalade, do que pelo seu passado, ainda que breve, na estrutura do futebol do Sporting.
São, naturalmente, opiniões.
Garante o Correio da Manhã que Costinha proibiu o uso de brincos aos profissionais do Sporting quando estiverem em representação do clube. A jogar, por exemplo. Ou em viagem da comitiva oficial.
E também quando usarem os bonés oficiais os jogadores estão proibidos de pôr a pala para trás, é sinal de desrespeito. As tatuagens também não são bem vistas mas, enfim, o que é que se há-de fazer em casos epidérmicos como esses?
Assumida que está pela SAD a dificuldade financeira em ir ao mercado de Inverno reforçar a equipa e as esperanças no comportamento desportivo da equipa, eis uma maneira respeitável de recuperar os 13 pontos de atraso que o Sporting tem em relação ao comandante do campeonato.
No Sporting, o lema é não queremos cá Diegos Armandos Maradonas!
Nolito diz que gostava mais de ir para o Real Madrid do que para o Benfica. Por um lado é compreensível. Mas Nolito que se lembre do caso de Di Maria. Chegou à Luz e não impressionou por aí além e mais ainda irritou o público da casa quando disse que o Benfica seria um trampolim para outros voos. E foi mesmo. Voou até ao Real Madrid e por lá está, feliz e contente da vida, aquele que, no princípio, os adeptos benfiquistas insistiam em chamar de brinca na areia. Lembram-se?
Pois Nolito devia fazer o que fez Di Maria. Primeiro jogava por cá e depois ia para lá.
Quanto a Funes Mori... continua preso por detalhes.
Oh, está-se mesmo a ver onde é que vai parar, não está?
É que basta fazer um pequeno exercício de memória...
A imprensa noticiou na semana passada a morte do sócio número 3 do Futebol Clube do Porto. Tinha 95 anos, nascera em 1915.
É curioso constatar como o FC Porto, que foi fundado em 1893 segundos os seus historiadores oficiais só terá tido dois sócios nos seus primeiros 22 anos de vida.
E isto se o sócio número 3, que morreu no final de 2010, tivesse sido filiado no ano em que nasceu.
Jorge Jesus respondeu bem e a tempo à bajulice com que Pinto da Costa o vinha tratando publicamente. Agora não deve responder a mais nada. Deve é ganhar o campeonato. Bora lá!"
Leonor Pinhão, in A Bola

Entrevista Ricardo Araújo Pereira: "Acredito no Benfica campeão mesmo quando é matematicamente impossível"

Deve ter sido uma das prendas mais repetidas junto dos benfiquistas que sabem ler. E até dos que não sabem. "A Chama Imensa", livro que reúne as crónicas de Ricardo Araújo Pereira sobre o Benfica no jornal "A Bola", é um retrato do amor (às vezes ódio) de um homem pelo seu clube. O Gato Fedorento, sócio número 17.411, fala-nos das origens do seu benfiquismo e de uma fé no seu clube de tal maneira inabalável que resiste à lógica, bom senso e matemática.
Esta não é daquelas entrevistas que começam com uma descrição do local onde decorreu a conversa. Não está ilustrada por um tique recorrente do entrevistado nem consta aqui qualquer referência à posição do sol aquando do encontro - até a frase "era de noite e, no entanto, chovia", faz ainda menos sentido. Ricardo Araújo Pereira, sócio número 17.411 do Sport Lisboa e Benfica, está em casa, ao computador, na véspera da véspera de Natal, a responder a perguntas enviadas dias antes por e-mail. Enquanto escreve - "não faço ideia de quanto tempo vou demorar porque tenho as miúdas, malditas férias escolares" - a compilação de crónicas "A Chama Imensa" torna-se num dos livros mais vendidos deste Natal.

É possível que a águia Vitória não volte a voar no Estádio da Luz. Vai fazer muita falta?

Sim, fará falta. E é pena. O Benfica era o único clube que conseguia organizar um espectáculo daqueles com o seu símbolo. Os leões não voam tão bem e os dragões padecem do mesmo mal que a maior parte dos penalties que se vão assinalando a favor do Porto: não existem. Ainda assim, S. Jorge matou um. Veja como deve tratar-se de um bicho irritante, para conseguir fazer com que um homem que era santo perdesse a paciência.

Qual é a sua memória mais antiga do estádio da Luz?

Talvez um Benfica-Porto de 1981. Cheguei ao terceiro anel antigo logo a seguir ao almoço, porque os jogos eram à tarde e não havia esta mariquice dos lugares marcados, como na ópera. A certa altura, Pietra deu uma soberba sarrafada ao Frasco, que ficou a contorcer-se no chão. Um consócio que estava ao meu lado gritou, com muita humanidade: "Se ele está a sofrer, o melhor é abatê-lo!" Ganhámos 1-0, golo de João Alves. Resultado magro mas, tendo em conta que o árbitro era António Garrido, foi goleada. Nesse ano, fomos campeões e ganhámos a taça, também ao Porto, 3-1 na final. Três golos de Nené. Veloso marcou um na própria baliza logo a abrir, para lhes dar um de avanço, a ver se o jogo ficava mais equilibrado. Não resultou.

Por que razão escolheu o Benfica?

Quando eu era pequeno, o meu primo António convenceu-me de que o Benfica era o melhor clube do mundo. Sem querer tirar mérito ao meu primo António, não é difícil convencer uma pessoa disso, uma vez que é verdade. Quanto ao meu primo António, é do Benfica por causa de um barbeiro que lhe cortava o cabelo no Areeiro. Portanto, em última análise, sou do Benfica por causa do barbeiro do meu primo António. Até agora, foi o máximo que consegui apurar acerca da minha genealogia benfiquista.

No seu livro fala do Shéu e do Rui Costa, de querer ser como eles. Há algum jogador da actual equipa que lhe mereça essa empatia e admiração?

Em princípio, invejo o destino de todos os rapazes que vestem aquela camisola. Hoje, gosto especialmente do Maxi [Pereira] e do Fábio [Coentrão], uma vez que só não mordem nos adversários porque as regras não permitem; do Ruben Amorim, porque é do Benfica desde os três meses - e isso nota-se no seu futebol; do Luisão e do David Luiz, porque são a melhor dupla de centrais desde Mozer e Ricardo Gomes; do Aimar, porque descobre jogadores isolados para surpresa de toda a gente - incluindo dos próprios, que se apanham sozinhos sem saber como à frente da baliza; do Carlos Martins, porque é um digno sucessor de Carlos Manuel, a locomotiva do Barreiro; e do Roberto, porque é do tamanho de um guarda-fatos que a minha avó tinha e cada vez defende melhor. E, enfim, dos outros todos.

Costuma ver os juvenis na Benfica TV e o futsal de veteranos?

Claro. Estou de olho num puto que parece o Valderrama (acho que lhe chamam mesmo Valderrama) e gosta de fintar várias vezes o mesmo adversário antes de avançar para a baliza. No futsal de veteranos, acompanho com especial interesse a carreira de um avançado que talvez tenha dois ou três quilos a mais. Isto para falar apenas nas modalidades que citou. Mas se um velhote vestir a camisola do Benfica e começar a jogar chinquilho, sou menino para ir apoiar.

A enumeração dos maiores flops do clube é uma ocupação frequente entre benfiquistas que se querem rir deles próprios. Qual é para si a mais fracassada de todas as contratações do glorioso?

Se calhar, é mais fácil fornecer-lhe o meu onze ideal de cepos: na baliza, Bossio. Moretto, Zach Thornton e Butt esperam oportunidade no banco. Lateral direito: Dudic, embora Ricardo Rojas e Gary Charles tenham valor para ocupar o lugar. Centrais: Jorge Soares e Paulão, o coice de mula. Jorge Bermúdez, Machairidis, Simanic e outros 10 ou 20 que não me ocorrem agora também eram exasperantes. No lado esquerdo da defesa, o meu coração balança entre Steve Harkness, Alessandro Escalona e Emmanuel Pesaresi. Mas se me der 5 minutos, talvez encontre pior. Trinco: Michael Thomas, com Marco Freitas, Jamir e Paulo Almeida no banco. Daqui para a frente, seria preciso escolher 5 entre Taument, Glenn Helder, Leónidas, Manduca, Luís Carlos, Luís Gustavo, Clóvis, Uribe, Hassan, Marcelo e Pringle. Uma tarefa difícil.

O que sente ao ver isto [link para o vídeo promocional da Operação Coração, no YouTube]?

Sinto alívio por já não estarmos nessa situação e incredulidade por ter sido possível convencer as pessoas a fazer essas doações. Depois lembro-me do título da Operação Coração que tenho emoldurado na minha secretária e percebo tudo um bocadinho melhor.

E isto [o golo e as lágrimas de Rui Costa depois de marcar ao Benfica enquanto jogador da Fiorentina]?

Eu estava no estádio nesse dia e na bancada também estávamos todos a chorar. Que quer que lhe diga?, os benfiquistas são pessoas sensíveis. Hoje, este episódio continua a emocionar-me, apesar de se ter tornado comum: quando o Inter marcou ao Sporting, Luís Figo também chorou. Chorou a rir, mas chorou.

Não estão em "A Chama Imensa" as crónicas todas. Como fez a selecção?

Excluí as que tinham ainda menos interesse do que as que ficaram. Só fiz ponto de honra em manter todas as que falavam de Rui Moreira. Um homem que é proprietário de um cão que ressuscita merece a distinção. Haja respeito pela Páscoa canina.

Como é ser um dos "dois rafeiros atiçados às canelas" de Miguel Sousa Tavares?

É surpreendente, porque sempre apontei para o lombo. Miguel Sousa Tavares tem uma relação um pouco conflituosa com os factos e uma grande capacidade para ignorar evidências, como certos documentos que temos vindo a ver, ler e ouvir. Ora, como disse a avó de um adepto do Benfica chamada Sophia de Mello Breyner, "vemos, ouvimos e lemos / não podemos ignorar". Palavras sábias.

Durante o período em que foi cronista de "A Bola", qual foi o melhor alvo?

Deve ter sido o Pinto da Costa. É quase inevitável, uma vez que se mantém no cargo há décadas e é um homem multifacetado, que ora declama poesia como João Villaret, ora dá indicações de trânsito como um GPS. O facto de estar a cumprir pena de suspensão por tentativa de corrupção activa enquanto se queixa das arbitragens também é divertido.

Qual é para si a equipa mais fácil de caricaturar do nosso campeonato?

É possível que seja o Sporting. Sempre que o Benfica está no fundo, o Sporting tem a gentileza de aparecer para demonstrar que é possível descer um pouco mais. Um dia depois de termos levado 5 do Porto, o Sporting jogou contra o Guimarães. Estava a ganhar 2-0. Nisto, o Vitória reduz. Depois, empata. A seguir, marca o golo da vitória. Até me passou um bocadinho da azia.

Acha que ainda vamos lá este ano?

Claro. Mas eu sou suspeito, uma vez que continuo a acreditar mesmo quando já é matematicamente impossível."