Últimas indefectivações

segunda-feira, 25 de março de 2013

Porque gosto eu do Jorge Jesus

"Não consigo deixar de celebrar um homem que ganha 2,4 milhões de euros por ano e continua a gostar de comer uma boa cabeça de garoupa.

quem tenha a opinião de que, nos tempos modernos, um bom treinador de futebol tem de ser conhecedor do jogo e dos jogadores, culto, preocupado com a imagem, capaz de comunicar em várias línguas, capaz de lidar com facilidade com as novas tecnologias às quais deverá chamar ferramentas e ainda saber escolher as equipas multidisciplinares necessárias à preparação da equipa.
Não contrario a ideia de que o treinador de futebol tenha de ter cada vez mais conhecimento e, por isso, tenha óbvias vantagens em ter uma base de sustentação escolar que melhor o capacite de lidar com as mais diversas e complexas competências necessárias ao entendimento do jogo e ao relacionamento com os jogadores.
Mas, como em tudo na vida, há excepções à regra. Uma delas, talvez, mesmo, uma das mais exuberantes, é Jorge Jesus.
Eu, confesso, sou fã do treinador e do homem. Não consigo deixar de gostar de um ser humano que despreza a moda e se está nas tintas para os padrões sociais em voga. Percebe-se que não o faz de uma forma estudada e hipócrita, mas por modo de ser, por personalidade, por privilegiar uma forma genuína de viver, como se nada verdadeiramente o tivesse mudado, lá por se tornar rico e famoso.
Ouve-se Jorge Jesus numa conferência de imprensa e pode-se assinalar as frases de muito duvidosa pureza sintáctica  mas o que não se pode é deixar de reconhecer uma vivacidade e uma naturalidade no discurso, que não resiste a esquemas de comunicação traçados a régua e esquadro por uns quantos comissionários de serviço.
Claro que há sempre quem aproveite o impacto da clareza nua e crua para atingir, numa única canelada, o homem e o treinador. Ainda assim, não o vejo espumar de raiva. Às vezes inquieta-se e irrita-se, mas passa-lhe, como se a vida fosse também como um jogo de futebol, onde as coisas que acontecem lá dentro, não devem passar cá para fora.
E, lá fora, é o mundo, onde Jorge Jesus se sente, visivelmente, menos confortável.
Não deixo de pensar muitas vezes no caso de Jorge Jesus para tentar entender o sucesso da excepção que ele representa. Pergunto-me se será, apenas e só, uma imensa intuição. Uma capacidade quase sobrenatural para entender, no jogo, o que quase ninguém entende ou vê. Um dom inimitável pata formar jogadores, fazê-los crescer, criá-los e moldá-los no que têm de melhor.
É difícil dizer, aliás, que Jorge Jesus seja o protótipo do autodidacta. Claro que é atento em quem confia, como tem vindo a ser o caso curioso e especialmente interessante do professor Manuel Sérgio, um dos raríssimos filósofos mundiais do futebol e da vida. Mas isso não faz de Jorge Jesus um autodidacta  a não ser no sentido em que ouve para aprender e para melhor conhecer. Mas não há, em Jesus, uma prática de auto-formação  de estudo bibliotecário, de procura própria da investigação do novo. Há, isso sim, uma paixão vivida, sem intervalos, pelo futebol. Ver jogos, ver jogadores, ver lances, estudar as pedras no tabuleiro da relva real dos estádios de todo o mundo, o que a televisão lhe proporciona a cada momento, é o ponto essencial de estudo e de evolução do treinador.
E isso basta? - perguntará, legitimamente, o académico de pestanas queimadas por anos e anos de leituras de compêndios.
Que outras provas teremos para dar que não sejam as dos resultados desportivos? E por essas, basta. Pode ser estranho, pode ser quase inexplicável, mas tem bastado. Pode não bastar para o Manchester United, para o Real Madrid, para o Bayern de Munique, agora, do cultíssimo e antimourinhista Guardiola, não se sabe se sim ou se não, mas o que se sabe é que tem bastado para a realidade concreta do futebol português. E não é uma realidade menor, por muito que alguns dela mal digam. É uma realidade ímpar e, reconheça-se, emergente no contexto internacional, sobretudo ao nível dos grandes clubes, como é obviamente o caso do Benfica.
«Last but not least» como diriam os britânicos, a verdade é que não consigo deixar de celebrar um homem que ganha 2,4 milhões de euros por ano e continua a gostar de comer uma boa cabeça de garoupa..."

Vítor Serpa, in A Bola

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