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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Eusébio (I)

"O grande, o enorme Eusébio jogador é, ele mesmo, a bola, o mundo da bola. A minha vantagem reside em ter usufruído de tantos anos com ele, ter sido o seu leal companheiro, tê-lo protegido.
Falar de Eusébio é pedir silêncio, porque estamos a falar de algo raro, especial, único. É termos regalias de saber muito, do muito que se pode e deve falar. Por conhecimento directo e absoluto, não só do jogador, da estrela, mas também do homem. Falar de Eusébio é dizer coisas extraordinárias, é falar de um génio.
Falar de Eusébio e dizer bem, é elogiar, é adjectivar, é não ter receio de exagerar no reconhecimento, é sentir prazer de o ter tido como companheiro, é ter partilhado com ele tudo de bom e de mau, felicidade e tristeza, o sabor da vitória, a terrível dor da derrota. É rir, é chorar, é ser Deus, é ser amado, malquerido.
Estar com Eusébio era sinónimo de fortuna, sempre com muita gente em redor nos momentos de sucesso, beneficiar de idolatria. Em caso de infortúnio, felizmente raro era a sensação de abandono. Parece que se morria, mas logo se ressuscitava, na ressaca do famosos 'day after', já na busca da vitória quase certa que vinha a seguir. Como eram os treinos? Depois de um triunfo, não havia mazela, nada doía. Depois de um desaire, havia mazela, doía tudo.
Eusébio, ele, foi tudo. Tudo isso e muito mais. Foi ele e fomos nós, fui eu também. Foi o grande jogador, o génio, a arte, a força, a resistência, a velocidade, a espontaneidade, o requinte, excelência do remate de golo. Eusébio foi o expoente máximo na execução do passe, na finalização, no lance mais inesperado. Surpreendia o adversário na interpretação rápida encontrando a melhor decisão a tomar. Tinha o conhecimento catedrático de tudo relacionado com o jogo, esse poder de um grande líder político, esse saber de um grande escritor, essa imaginação de um actor, porque a sua cultura era a perfeição, muitas vezes a perfeição do imprevisto. O seu talento produzia fantasia e eficácia, tinha beleza estética e atlética, praticava a subtileza, tudo num combinado genial que conferia golos, vitórias e sucesso.
Vindo de Moçambique, onde nasceu jogador, não tardou a deixar o mundo espantado. Era um predestinado, só podia transformar-se numa personalidade de carácter universal. Foi e é o melhor de sempre em Portugal, um dos melhores de todos os tempos à escala planetária.
Continua connosco, vivo, vivo de mais, no seu jeito muito próprio de encarar a vida. Continuamos a vê-lo, a beneficiar do seu estatuto, a favorecer do seu prestígio. Eusébio mereceu de reconhecimento, que vão muito para além do seu valor futebolístico.
Numa sociedade na qual o deslumbramento é frequente, ele sempre o pareceu recusar. Eusébio angariou empatia, carinho, ternura. Não tem invejas sobre si, não tem inimigos que o apoquentem. Porque ele sempre foi diferente. Naturalmente, diferente.
Eusébio tem mundo, temo mundo todo, porque se deu ao mundo, deu-se todo ao mundo. Ganhou o consenso generalizado, após tanto sacrifício, tanta dedicação conclui a carreira no universo da bola. O futebol ensina, o jogador aprende, o homem cresce, a sociedade aprecia, a vida agradece."

António Simões, extracto do livro 'António Simões', in O Benfica

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