Últimas indefectivações

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Uma bola, um país

"A vida é como é, somos o que somos e como somos, a história do nosso percurso. Aprendi a gostar de futebol com a autoridade do Artur, a impetuosidade do Taí, a fogosidade do Almeidinha e a liderança do Barbosa. O perfume do Alves, com as correrias do Queiró e do Palhares por perto. No imaginário, a classe do Júlio e as cambalhotas do Folha. A relva do Bessa era a mitologia que a infância e a primeira adolescência tinham por certa. Nesses sábados excitantes, lá vinha o passado de uma glória desconhecida. A falha num livre à entrada da área, o desperdício de um pontapé a “léguas” do alvo, e o desabafo dos “entendidos” da cadeira do lado: “Olha este, queria marcar um golo à Eusébio!” O regresso a casa trazia a explicação sobre o ícone, ainda tão perto e já tão longe.
Nunca fui de hiperbolizar mitos, seja em vida, seja depois do desaparecimento. Racionalizo e relativizo. Contextualizo e integro o relevo. Eusébio possui, todavia, o indiscutível dom da longevidade da memória: de um tempo e de uma identificação. Creio que Eusébio se ofereceu para uma espécie de “aquisição nacional”. Isso ultrapassou gerações. Agigantou-se, agigantou (de um certo modo) a pequenez de um país atrasado, fechado e diminuído e, depois, entregou-se à vida e ao que a vida lhe pudesse dar. Ultrapassou as fronteiras que se reservam (mesmo) a um predestinado. Mais tarde, quando saí do país para estudar, brilhavam o Sousa e o Rui Costa nas relvas italianas. Certo dia, um colega de residência franco-italiano, numa longa viagem de comboio, dissertava sobre os dons dos novos portugueses da “bola”, o início da geração de ouro. “Sem serem Eusébios, nota!” “Como assim, se nunca o viste a jogar?” “Muitos ficaram a gostar de futebol por causa dele. O que já vi e o que já li bastam-me. Não era bem um jogador, era mais um prolongamento de uma bola em campo. Fez muito por Portugal, não achas?” Surpreendido, acenei, afirmativo. Como se acena a algo de inexorável. Que se impõe por si.
A partida de Eusébio impôs novamente Eusébio. Redescobriu-se a sua dimensão. Sem que houvesse mesmo necessidade das metáforas infelizes, das tiradas senis e dos protagonistas de última hora. Mas, ao menos, como Eusébio bem merecia, sem que se notassem os fanáticos obsessivos das “cores”. E sem necessidade nenhuma de se discutir o Panteão. Isso é tema de políticos e de leis. Do que percebi ao longo dos anos, Eusébio não precisará disso. Consumiu-se em viver superiormente o escudo da bandeira. Foi por isso que o povo, longe da política e das leis, lhe deu o “panteão” da imortalidade."

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