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terça-feira, 22 de abril de 2014

A visita da Velha Senhora

"Foi contra a Juventus que Eusébio marcou um dos golos mais fantásticos da sua carreira: ele próprio mo contou. Calou gargalhadas e matou sorrisos de escárnio - foi em 1968 para uma meia-final da Taça dos Campeões...

A Visita da Velha Senhora é um filme: de 1964, com Ingrid Bergmann e Anthony Queen. A Velha Senhora é a Juventus, e nada tem que ver com o filme. Só com o Benfica: visita a Luz na próxima quinta-feira.
Peço muitas ajudas para escrever estas páginas. Algumas aos protagonistas das histórias que recordo, outras a mim mesmo que já as rabisquei por aqui e por ali. Sobre Eusébio há pouco que não tenha complicado, na «Eusébio Enciclopédia» e no «Viagens em Redor do Planeta Eusébio». Enfim, grave é copiar prosa alheia, como certos artistas pouco honestos da nossa praça.
Juventus: o clube foi fundado em 1897 por um grupo de estudantes italianos que decidiram, originalmente, adoptar o vermelho para cor das camisolas; em 1903, durante uma viagem a Inglaterra, um dos seus dirigentes ficou tão impressionado com os equipamentos do Notts County que resolveu trazer a ideia para Turim - assim se estabeleceu a sua imagem zebrada. Foi nos anos 30 que a Juventus ganhou o seu estatuto de grande equipa: cinco campeonatos de Itália consecutivos e frequentes presenças nas meias-finais da Taça Mitropa (que punha em confronto os campeões dos países da Europa central). Depois, seguiu a via de todos os clubes italianos, entrando em força no mercado internacional: primeiro, os dinamarqueses John e Karl Hansen; em seguida, o argentino Omar Sivori, o galês John Charles, o espanhol Del Sol, o brasileiro Chinesinho; finalmente, já nos anos 80, Michel Platini e Zbigniew Boniek, que deram a tão almejada Taça dos Campeões Europeus a uma equipa que nunca tinha lá chegado.
Juventus: a «Vechia Signora».
Velha Senhora: é assim que a Juventus é conhecida.
Velha Senhora: dificilmente se poderia ter inventado uma alcunha mais próxima de um poder dissimulado, de uma eminência parda e escondida.
Juventus: a equipa da família Agnelli.
Os Agnelli dominam a banca, a indústria química, têxtil, de armamento, cimentos e gráficas num toal de mais de 60.000 milhões de dólares; além do mais são os donos da FIAT que, por seu lado, controla a maior fatia da empresa de publicações Rizzoli que é responsável, entre outros, pela edição do «Corriere della Sera» e do «La Stampa», dois dos mais importantes jornais italianos.
Em Itália costuma dizer-se, à laia de anedota, que o trabalho do Primeiro-Ministro é polir a maçaneta da porta dos Agnelli.
Os Agnelli e a FIAT também são donos da Juventus.
Os jogos em que a Juventus participa são aqueles cujas arbitragens estão envoltas em maior número de polémicas.
A Juventus já se viu envolvida num sem fim de trampolinices. Mas como em Itália a justiça funciona também já deu com os nobres costados na segunda divisão.

Agora, o Eusébio e o Benfica
Em 1968, o treinador da Juventus chamava-se Heriberto Herrera.
«Benfica sem Eusébio não vale muito», dizia Heriberto Herrera.
Mas o Benfica tinha Eusébio.
Em Lisboa, vitória por 2-0, um golo de Torres e outro de Eusébio.
Em Turim, vitória por 1-0, golo de Eusébio.
Eis-nos aqui chegados. Estádio Comunale, em Turim, 15 de Maio de 1968. Ao minuto 69, há um livre contra a Juventus. Um livre directo, sim, mas ainda longe, muito longe da baliza. Muito longe? Pior ainda: longíssimo. Tão longíssimo que, em relação ao local da falta, a baliza parecia ficar para lá da linha do horizonte.
Favalli, jogador da Juventus, diria no fim do jogo: «Quem tem Eusébio, tem a vitória. Jogar contra uma equipa que tem Eusébio é um caso sério. O golo que marcou é um autêntico fenómeno!»
A bola está longe, pois. A milhares de quilómetros de distância do guarda-redes Anzolin. Para Eusébio tanto faz.
- Comecei a tomar balanço - conta Eusébio -, muito balanço, mesmo, e reparo que, no público, há pessoas a rir, incrédulas. Não acreditavam que eu fosse chutar de tão longe assim. Deviam julgar-me doido. Corri para a bola, chutei com toda a força, e ela entrou como uma bala na baliza italiana, sem hipóteses para o guarda-redes. Tiveram de engolir a risota.
Quando, certa vez, perguntei a Eusébio qual tinha sido o golo que mais prazer lhe dera marcar na vida. ELe respondeu, sem duvidar nem titubear:
- Um à Juventus, em Turim, nas meias-finais da Taça dos Campeões.
Era este. Do qual hoje resolvi falar. Nas vésperas de mais uma visita da Velha Senhora."

Afonso de Melo, in O Benfica

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