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sábado, 30 de maio de 2015

Devemos celebrar a morte de quem morre assim?

"Morreu há dias Dean Potter. Vinha a voar dum penhasco de 2300 metros no Parque Natural de Yosemite, nos EUA, o paraquedas não abriu e, na tentativa de passar por um estreito rochoso, Potter esborrachou-se. Correu-lhe mal o BASE jump, que de resto praticava ilegalmente.
Potter não queria saber. Tinha 43 anos e nome feito no restrito sector dos malucos. Saltava do topo de edifícios, montanhas. Nada temia. Era admirado por uma comunidade de loucos que sonhavam ser loucos como ele e, não podendo, se ficavam pela reverência.
Potter dizia dele próprio ser um «um atleta, um aventureiro e um artista» e eu concordo em parte. Não sei se era bom artista ou bom atleta mas era garantidamente bom aventureiro.
Fico, porém, sem saber se devemos celebrar a morte de quem morre assim. Foi uma tragédia, eu sei. Isso é óbvio. O que pergunto é se alguém que dedica a vida a esta iminência e eminência da morte não deve, depois de morto, ser ainda mais admirado pelos tais loucos que o celebravam em vida. Senão é um mártir desportivo.
A figura do daredevil, nascida com Evel Knievel - o ícone motociclista norte-americano dos anos 60 e 70 que partiu ossos por 433 vezes em saltos arriscados - tem um enquadramento difícil no desporto, mesmo no das modalidades radicais, de aventura. Mas ainda mais difícil parece ser tentar saber a razão pela qual Potter se considerava artista. Estou convencido de que um daredevil não quer morrer e duvido até que possa acreditar que o seu trabalho valerá mais quando morrer mesmo. Só então a sua criação teria, sim, a valorização póstuma clássica nas obras de arte.
No resto, é pena que alguém tão novo morra a tentar voar."

Miguel Cardoso Pereira, in A Bola

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