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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

A invasão dos nomes esquisitos...

"De repente, Lisboa passou a ser visitada por figuras exóticas do Futebol da Europa e do mundo. Os amantes do jogo (sobretudo os do Benfica) viam-se perante enormes estrelas pela primeira vez nas suas vidas.

Certa vez coube ao Boavista defrontar o Inter de Milão para a Taça UEFA. Enviado-especial de «A Bola» fui a Milão em reportagem entrevistar o treinador Trapattoni e alguns craques da altura como Matthaus ou Klinsmann.
Foi do guarda-redes Walter Zenga que ouvi a frase mais curiosa:
- Boavista!!! Si! Hano queste camicie particolare...
E aí nasceu a história do clube das camisolas esquisitas que, por acaso, até eliminou o grande Inter.
Por causa deste episódio vieram-me à memória nomes esquisitos.
Vamos a isso?
Entre Dezembro de 1921 e Janeiro de 1922, Lisboa assiste a uma novidade:a visita de uma equipa da Checoslováquia, o Union Ziskow, clube do bairro de Ziskow, nos arredores de Praga, conhecido por ser uma zona proletária, de vida dura e difícil. Ziskow também era conhecido por ser o bairro de Praga com maior concentração de clubes de Futebol (e de «pubs»...), contando-se aí mais de 20 clubes antes da II Grande Guerra. Fundado em 1907, o AFK Union Ziskow trazia na sua esteira a fama de uma equipa de Futebol vistoso e diferente, mais de pé para pé, tão longe do jogo aos repelões ainda em voga em Portugal.
Casa Pia, Sporting e Benfica são os responsáveis pelo convite feito aos checoslovacos. O Union Ziskow vence o Casa Pia (4-1) e o Sporting (2-1). Dois jogos contra o Benfica: vitória dos checos por 4-3 e finalmente, vitória 'encarnada' por 2-1. Tinha chegado a era dos senhores de nomes esquisitos. Por outro lado, o Benfica viaja menos. Duas deslocações, a Sevilha e a Madrid, em 1922, com quatro derrotas em outros tantos jogos, e cinco anos em que apenas disputou jogos internacionais em Lisboa. Clubes até então desconhecidos dos portugueses visitam-nos e trazem consigo imagens de um futebol diferente.

A visita dos desconhecidos
Vamos dar uma vista de olhos aos adversários com os quais o Benfica mediu forças entre 1923 e 1949, um longuíssimo período no qual apenas efectuou cinco jogos no estrangeiro, a maior seca de viagens da sua história, muito marcada, obviamente, pelo advento da II Grande Guerra: Berzik, da Hungria (1-1 e 3-2); Nuselsky de Praga, Checoslováquia, hoje com o nome de Slavoj (2-5 e 0-2); o grande Rapid de Viena, uma das melhores equipas europeias do período de entre guerras, campeão austríaco (1-2 e 2-5); o famoso Sparta de Praga, campeão checo, vencedor da Copa Mitropa em 1927 (0-6 e 1-4); Szombathely Haladas, da Hungria (0-6 e 3-1); Wiener SK, campeão austríaco de 1922 (2-1); Helsingborgs, vencedor do Allsvenskan, o campeonato sueco (1-4 e 3-1); o MTK Hungária, como era conhecido na altura, mais tarde famoso com o nome de MTK Budapeste (1-1); Sabária FC, uma das primeiras grandes equiaps húngaras de fora de Budapeste (2-6); o Ferencváros, mais popular clube da Hungria mas a sofrer, à época, com a hegemonia do MTK (1-0); Ramblas Junior, campeão do Uruguai (1-3); Gimnasia Y Esgrima de La Plata, campeão argentino (0-1). Das ilhas britânicas vêm os ingleses do Civil Service (1-3) e do Casuals FC (1-1), consideradas das melhores equipas amadoras do país, e os galeses do Swansea (1-1).
Do Brasil vem o Vasco da Gama (0-5), esse clube revolucionário, fundado por portugueses, que tem a coragem de se opôr à Liga Metropolitana, liderada por Fluminense, Flamengo e Botafogo, que queria impor a obrigatoriedade de as equipas se apresentarem exclusivamente com jogadores brancos. Cada visita era uma lição de história e uma visão nova do mundo em contínuo desenvolvimento do Futebol. Cada confronto internacional promovia o crescimento técnico e táctico das nossas equipas. O Benfica ia conquistando a aura cosmopolita que faz hoje a sua imagem de marca. As equipas espanholas - Barcelona, Athletic Bilbau, Atlético de Madrid, Deportivo da Corunha, Celta de Vigo, Real Madrid, Español de Barcelona - devolveram as visitas dos 'encarnados'. Em 1933, é a vez do Benfica medir forças com o First de Viena, o mais antigo clube austríaco, vencedor da Copa Mitropa - resultado: 1-1. Em 1935 e 1936, vêm a Lisboa o Bocsay, uma das primeiras equipas profissionais da Hungria (3-4), o Wacker SK, um clube emergente no forte Futebol austríaco, que mais tarde veio a fundir-se com o Admira (4-1); O Zidenice, da Checoslováquia, que viria a mudar o nome para FC Brno (1-2); e o Brentford, de Inglaterra, a viver a fase mais brilhante da sua história com presenças consecutivas entre os seis primeiros da divisão principal (0-5).
Em 1940, o Benfica regressa a Barcelona, para defrontar o Barcelona num só jogo (2-4), e até 1946 a actividade internacional do Futebol português entra em hibernação se exceptuarmos uns jogos da Selecção Nacional frente à Espanha e à Suíça. Com o final da II Grande Guerra, o jogo volta pujante como nunca. E aproveitando o facto de muitos países da Europa Central terem sofrido, a par com a Inglaterra, verdadeiras sangrias nas suas gerações de jovens, Portugal e os seus clubes, que haviam sido poupados às destruições geradas pelo conflito, obtêm resultados surpreendentes, alguns mesmo históricos. O empate conquistado, a 17 de Fevereiro de 1946, pela Selecção Militar de Lisboa face à sua congénere da Royal Air Force (1-1), com dois benfiquistas, Francisco Ferreira e Rogério «Pipi» a integrarem a equipa lisboeta, foi tido como um feito inolvidável - o Governo da Nação distingui o seleccionador, major António Ribeiro dos Reis, com a Ordem Militar de Avis.
Mas mais estrepitosa ainda foi a vitória do Benfica frente ao Charlton Athletic, clube profissional de Inglaterra e que ainda poucos meses antes disputara a final da Taça de Inglaterra com o Derby County. No recém-inaugurado Estádio Nacional, com a presença do Chefe de Estado Óscar Carmona, o Benfica fez uma exibição de luxo e venceu por 2-1 com golos de Rogério «Pipi» e Arsénio contra um de Don Welsh. «A Bola» sublinhava: «Com a vitória de ontem devem ter sido dissipadas muitas dúvidas. O onze do Benfica, resistindo estoicamente à luta atlética dos adversários, aguentando com mestria o despique técnico dos mestres profissionais, e tendo até sofrido algumas baixas nas suas linhas por lesões, trouxe-nos a confirmação da real categoria de que nos podemos ufanar». O Benfica, com Rogério «Pipi», Arsénio, Corona, Espírito Santo, Félix Antunes, Francisco Ferreira, Jacinto e Moreira lançava as bases da grande equipa europeia dos anos-50, vencedora da Taça Latina e finalista de mais uma edição da competição".

Afonso de Melo, in O Benfica

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