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quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Renato é um caso de classe

"Acaba de entrar no onze do Bicampeão e já deu indicações seguras sobre o que está para vir: Quando conjugar talento e solidez terá completado o processo que deverá conduzi-lo ao topo do Mundo

Ao contrário de quem vive longe do centro nevrálgico dos jogos, por exemplo os extremos, que podem superar expectativas, e contrariar tendências como peças soltas dos mecanismos instituídos, a imposição dos médios de zona central não tem apenas a ver com a excelência da relação com a bola. O sucesso de jovens que habitam no centro das operações tem implicações colectivas. Artur Quaresma (1917-2011), campeão nacional pelo Belenenses, um dos melhores futebolistas portugueses de sempre e treinador com larga experiência, costumava dizer que o andar de um jogador era o primeiro factor de avaliação. Antes mesmo de a bola entrar em acção, o mito azul assumia presunção de qualidade para quem se submetia à sua avaliação. A última descoberta do Benfica suscita reflexões interessantes.
Renato Sanches foi impressionante em Astana e Braga, mais ainda pelo que prometeu do que propriamente pelo que jogou: deslumbrante foi o atrevimento e a insolência de, aos 18 anos, pisar um palco da Champions e actuar num estádio de máxima dificuldade em Portugal e fazê-lo como se estivesse a jogar na rua com os amigos de infância. Nos dois casos não tomou precauções e foi direito ao assunto: mais do que integrar-se na manobra da equipa, de acordo com o perfil no qual, sustenta o seu padrão futebolístico, cometeu a proeza de assumir a coordenação do jogo colectivo. Não se limitou a ser um passageiro bem-comportado, respeitador das regras, antes traçou a rota e assumiu o comando da expedição. É sempre refrescante ver alguém tão novo cumprir e interpretar o guião à sua maneira, melhorando-o com imaginação e criatividade.
Pelo modo como pisa, recebe, toca e conduz a bola,. Renato não alimentou dúvidas: tem futebol da cabeça as pés. A movimentação e os gestos esclareceram a sabedoria inconsciente na tomada das decisões mais adequadas na ocupação do espaço, no tempo entrada aos lances e na exacta valorização do engano. Ele não corre, desliza; não choca, desarma por antecipação; não tem só a bola, dança com ela. É deslumbrante vê-lo escolher se a equipa deve jogar curto ou longo; a um, dois toques ou prosseguir ele próprio a iniciativa; se o mais indicado é aquecer (passe vertical) ou arrefecer (lateralizando) a acção. Sendo um miúdo, parece um veterano de muitas batalhas.
O futebol está cheio de casos em que jovens talentos com sentido estratégico revelado nos escalões de formação falham quando chamados a assumir a mesma preponderância nos contextos mais exigentes das equipas principais. Não se trata de dar resposta à opinião do treinador ou satisfação às pretensões dos adeptos; trata-se de convencer uma orquestra consagrada, com solistas de renome internacional e muitos prémios no currículo, a ser dirigida por um adolescente sem passado, mesmo que transporte a promessa de um futuro grandioso. Nessa primeira avaliação, Renato mostrou ter tanta classe e ideias tão boas que assumiu, quase automaticamente, candidatura a um papel sem dono na formação benfiquista.
Conduzir um conjunto de homens, com a garantia de saber para onde os leva e como chegarão ao destino, é tarefa nobre, exigente e delicada; por ser tão complexa, está interdita a menores; por encerrar tão grande responsabilidade, só está ao alcance de homens credíveis, maduros, alicerçados nos valores adultos de experiência, conhecimento e, não menos importante, de uma estrutura atlética sem fragilidades. Renato Sanches tem ainda muito para crescer e melhorar; uma evolução física e biológica para cumprir; um estilo e uma liderança para consolidar. Acaba de entrar no onze do bicampeão e já deu indicações seguras relativamente ao que está para vir: quando conjugar talento e solidez, terá completado o processo que poderá conduzi-lo ao topo do Mundo."

Rui Dias, in Record

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