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terça-feira, 28 de junho de 2016

Portugal não é a Grécia

"Cada seleccionador tem as suas manias. Nada a fazer quanto a isso, em razão da autoridade discricionária de um mister, sem paralelo noutra actividade. Põe e dispõe a seu bel-prazer, aceitando mal ou recusando simplesmente dar explicações quando confrontado sobre questões menos simpáticas. Não é nenhum reparo a Fernando Santos, atenção, apenas ligeiro preâmbulo para uma viagem breve ao passado recente da nossa Selecção, retirar do baú o que já foi usado e verificar que os anos passam mas há coisas que não mudam, nem ficam fora de moda.
No Euro-2004, Luiz Felipe Scolari, a partir de certa altura, resolveu preparar terreno à não inclusão de Maniche na convocatória final. Houve reacções, entre elas a minha. Por mais de uma vez me referi ao assunto, em defesa do jogador. Também por essa altura, o mesmo seleccionador alinhou no cerco que asfixiou Vítor Baía. No essencial, arranjou um novo titular (Ricardo) e, para calar as vozes discordantes, descobriu um jovem promissor chamado Bruno Vale, portista, como prova das suas boas intenções, embora depressa se tivesse livrado dele e, por arrasto, de Baía.
No entanto, Scolari viu-se num beco sem saída ao ver a sua teimosia fracassar ante a Grécia na primeira jornada do grupo, mas foi célere na mudança. Mestre em golpes de rins, fez de conta que nada se passara e logo no jogo seguinte recorreu ao meio-campo do FC Porto, campeão nacional e Europa, entrando Deco e saindo Rui Costa, o qual viria pouco depois a renunciar à Selecção, não pela despromoção a suplente, mas pela nebulosidade/pouco respeito que caracterizou o processo.

No Euro-2016, Fernando Santos não foi capaz de eliminar a linha de fronteira entre os meus e os outros, pese a ecumenicidade da sua política ao abrir portas da selecção aos presentes e aos ausentes. Correu bem, no sentido em que recuperou alguma gente que andava perdida e contribuiu para o apuramento de Portugal, mas ao envelhecer os quadros nas convocatórias deu à experiência conservadora primazia em relação à juventude rebelde. Aliás, o próprio Fernando Santos nunca escondeu que seria difícil dar esperança a candidatos a lugares que do seu ponto de vista se encontravam preenchidos. É convicção generalizada, por isso, que Adrien Silva, Renato Sanches e Rafa, por exemplo, só foram escolhidos por força das circunstâncias, leia-se impedimentos de Tiago, Bernardo Silva e Danny. Ao seleccionador assiste o direito de não ter gostado das mudanças que se viu obrigado a fazer, mas a saúde do futebol português ficou muito agradecida: tiraram-lhe anos de cima e deram-lhe genica, alegria e mais força de acreditar. Fernando Santos tem a nossa confiança, apesar de sabermos que a sua visão do futebol jogado é esta que se vê, pensada e cautelosa, sempre em velocidade de segurança e sem ultrapassagens que coloquem em risco a solidez da organização. Tudo bem, desde que utilize os melhores, ou, se preferir, retire os que se encontram condicionados.
A propósito: então, só soube à última hora que Moutinho não estava em condições? Estranho. Pensava eu que ele tinha saído da equipa por claro défice de rendimento na competição, provavelmente consequência de uma época apagada e de um quadro clínico que o tem incomodado nos últimos meses. Além de, mesmo na plenitude de recursos, me parecer desfocado no modelo privilegiado para o Europeu.

Sobre André Gomes, de futebol pastoso, sem alma, nem garra, que qualidades verá nele o seleccionador que mais ninguém consegue descortinar? É bom executante? Claro que sim, mas não chega. Tacticamente será mais evoluído que a concorrência? Talvez, admito tudo, mas, sem mais informações sobre o assunto, considero que a sua titularidade constitui o segundo mistério nesta equipa. O que é bom: existirem apenas duas situações susceptíveis de gerarem controvérsia. Sinal de que devemos aproveitar a favorável conjugação de factores: confiança do seleccionador, enorme vontade de Cristiano Ronaldo e de todos os jogadores, inclusão de pessoal jovem com pressa de mostrar serviço e infindo entusiasmo do povo.
Não sei se vai dar para chegar a Paris, mas sei que não há desculpa para mais equívocos. Devem ser valorizados os que garantem disponibilidade física e mental para jogar nos limites, e julgo que isso não tem acontecido. Sem querer intrometer-me onde não sou chamado, penso que, neste momento, a Selecção precisa mais do músculo de Adrien Silva do que do tricô de João Moutinho. Fernando Santos é quem decide, mas, por favor, não nos ponha a jogar à grega. Já faltou mais, mas se o fizer será o mesmo que manchar a imagem do futebolista português. No resto, proceda como quiser, devendo ter a noção de que a esta hora já estaria fatiado pela lâmina afiada da crítica feroz caso não tivesse sido feliz com a Croácia... 

Nota 1 - Prudência com a Polónia depois de amanhã em Marselha. São fortes como os islandeses, mas jogam mais. Ganhámos em 2002 (Mundial da Coreia), mas desde aí a situação alterou-se: derrota e empate com Scolari (apuramento Euro-2008) e empate com Paulo Bento (particular).

Nota 2 - Messi falhou penalty na final da Copa América e despediu-se da selecção argentina. Imagine-se o massacre que seria se fosse Ronaldo. Vergonhosa a campanha contra o capitão português desde que começou o Europeu, mas a FPF continua muda..."

Fernando Guerra, in A Bola

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