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sexta-feira, 17 de março de 2017

Futebol e jornalismo: sinto muito, mas estão enganados

"Nuno Espírito Santo disse outro dia que era preciso mudar as regras: não pode haver dupla punição. Ou seja, um jogador não pode ser expulso quando é assinalado penálti.
Naturalmente discordo.
Ora já se percebe por esta introdução que vou falar da relação dos clubes com a imprensa, certo? Gosto muito de ser directo nas minhas abordagens.
Faço-o a propósito de dois episódios recentes.
Por um lado, Jorge Jesus não gostou que o assessor de imprensa pedisse perguntas apenas sobre o jogo em Tondela, na sequência de uma resposta sobre o ranking da UEFA. «Estamos a falar de futebol, pá», atirou-lhe o treinador.
Por outro lado, Manuel Machado acusou Tiquinho Soares de ingratidão, quando este já lhe tinha agradecido numa entrevista ao Porto Canal. «Tem uma audiência reduzida no quadro das grandes antenas nacionais e escapou-me», defendeu-se o treinador.
Os casos são iguais: partem de uma obsessão desmedida por controlar a informação que chega aos jornalistas, e por arrasto à opinião pública.
Esta obsessão não é de hoje. Tem pelo menos vinte anos e começou na insistência do FC Porto em fechar-se ao exterior. Depois disso todos os clubes acharam que estava no controlo sobre a informação o segredo do sucesso.
Curiosamente os anos mais felizes do FC Porto aconteceram com Mourinho e Villas-Boas, dois treinadores que abriam o clube à imprensa. Mas sobre isso ninguém tem interesse em reflectir. Faz sentido, sim senhor.
Enfim, em frente.
Voltando à obsessão dos clubes por controlar a informação, importa dizer que é uma obsessão incentivada pelos próprios adeptos. Que frequentemente defendem uma austeridade ainda maior na relação com os meios de comunicação social.
Nada mais errado, claro.
Os clubes precisam da comunicação social. A exposição mediática é que lhes dá dinheiro: os contratos publicitários, os patrocínios, a valorização da marca.
Hoje em dia são verdadeiras multinacionais, que movimentam milhões de euros: que não chegam, seguramente, das quotas dos sócios e dos bilhetes de jogos.
Chegam dos patrocínios, valorizados pela imprensa, chegam das vendas de jogadores, promovidos pela imprensa, chegam da Liga dos Campeões, que é um exemplo de como se deve trabalhar com a imprensa.
Fechar as portas do clube à imprensa é desvalorizar a marca e desbaratar bons contratos.
É uma evidência gritante: um espaço publicitário vale mais quanto mais vezes é visto.
Se um clube não deixa os jogadores aparecer, se não há entrevistas, se os treinos são fechados, vai naturalmente haver menos matéria jornalística e menos exposição do clube. 
As televisões vão encher-se de comentadores incendiários, a rádio vai dar menos notícias e a imprensa online mostrar menos vezes os patrocinadores.
Os jornais, que não podem sair em branco, vão concentrar-se noutros assuntos, muitas vezes marginais e desinteressantes na perspectiva dos próprios clubes.
Parece-me óbvio.
Os próprios jogadores perdem valor comercial: uma empresa que os patrocine, por exemplo, não vai valorizar o veículo publicitário que eles podem ser se não aparecem com a marca. Uma publicação ou outra no instagram não chega para rentabilizar a aposta.
Por isso vale a pena voltar atrás, para sublinhar que a imprensa precisa tanto dos clubes quanto os clubes precisam da imprensa.
Se não fossem os jornalistas, o futebol não seria muito diferente do hóquei em patis ou do ciclismo: modalidades que há setenta anos despertavam grande curiosidade nos adeptos, que perderam espaço na imprensa e que hoje têm um interesse marginal.
Porque não foram promovidos devidamente junto das massas.
O que o Sporting fez, através do assessor, e o que o FC Porto faz não prejudica só os meios de comunicação social: prejudica os próprios clubes.
Basicamente estão a esvaziar de interesse o conteúdo que fornecem aos jornalistas. Seja através do controlo das perguntas, seja através da distribuição da matéria (geralmente desinteressante) através dos meios próprios, de audiência reduzida e quase marginal.
Pelo caminho perdem espaço na imprensa e desvalorizam a marca que representam.
Por isso, sim. Sinto muito, mas estão enganados."

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